terça-feira, 9 de novembro de 2010

Ciclo de Conferênciaas MNA

Relembra-se que o GEEvH, o NAP e o Museu Nacional de Arqueologia, realizam amanhã, dia 10 de Novembro, pelas 18 horas, a segunda conferência do ciclo de conferências "Arqueologia e Antropologia…. Territórios de fronteira"

"As Origens do Olduvaiense: Serão os chimpanzés (Pantroglodytes) bons modelos para a evolução das primeiras tecnologias em África?"

por Susana Carvalho, scr50@cam.ac.uk
(Leverhulme Centre for Human Evolutionary Studies, University of Cambridge, Cambridge, 2 CB 1 QH, United Kindgom; CIAS – Centro de Investigação em Antropologia e Saúde, Universidade de Coimbra, 3000-056, Coimbra, Portugal)

Resumo:
Compreender como e porquê surge o uso de ferramentas em primatas humanos tem sido um objectivo essencial da arqueologia e antropologia, desde o aparecimento destas disciplinas. As tecnologias mais antigas datam de há 2.6 milhões de anos, e as evidências desta indústria conhecida como “Olduvaiense”, são maioritariamente compostas por pedras talhadas (líticos) que perduraram no registo arqueológico (Semaw et al. 1997). As características que permitem discriminar estes artefactos (i.e. pedras modificadas intencionalmente) são bem conhecidas dos arqueólogos (Bordes 1961, Leakey 1971, Tixier et al. 1980, Isaac and Harris 1997).

As tecnologias de percussão mais antigas incluem artefactos provenientes de escavações na África Oriental (Semaw et al. 1997; Delagnes and Roche 2005). Desde 1970, muitos estudos analisaram a tipologia e tecnologia destas colecções (e.g. Leakey 1971; Toth 1985; Isaac and Harris 1997), mas os martelos e as bigornas foram consideravelmente desvalorizados, sendo vistos como uma espécie de “parentes pobres” da tecnologia de talhe.

Durante a década de 60, Jane Goodall observou chimpanzés a fabricar e usar diversas ferramentas (Goodall 1963) e, um pouco antes, era descoberto o uso de pedras para partir nozes entre comunidades de chimpanzés da África Ocidental (Beatty 1951). Recentemente, a escavação de um sítio arqueológico de nut-cracking de chimpanzés com 4300 anos BP (Mercader et al. 2007) estabeleceu uma “Idade da Pedra” recente para esta tecnologia de primatas não-humanos.

Desde 2006, um projecto de investigação interdisciplinar, conjugando arqueologia e primatologia, investiga o nut-cracking praticado por chimpanzés em habitat natural, visando caracterizar estes utensílios, bem como analisar a distribuição espacial e variação regional destas ferramentas e suas áreas de actividade (Carvalho et al. 2008). O estudo foca-se no uso de ferramentas nas florestas de Bossou e Diecké (Guiné Conakry), e utiliza estes primatas não-humanos como modelos, procurando testar a hipótese que considera terem existido indústrias de percussão mais antigas, que ainda não terão sido detectadas no registo arqueológico. Os resultados preliminares desta investigação contribuíram para a recente proposta de uma nova disciplina: Arqueologia de primatas (Haslam et al. 2009).

Um laboratório ao ar livre no centro da floresta de Bossou, permite realizar experiências de nut-cracking, utilizando nozes disponíveis na floresta (Elaeis guineensis) e nozes estranhas ao habitat local (Coula edulis) (Matsuzawa 1994, Biro et al. 2003). Os dados recolhidos durante 5 anos de sessões experimentais revelaram a selecção e uso preferencial de determinados pares de ferramentas. Os chimpanzés repetem a combinação de alguns martelos com algumas bigornas de forma sistemática. O uso repetido dos mesmos pares de ferramentas pode amplificar as marcas de uso e aumentar a possibilidade de fractura dos elementos. Este padrão de utilização sugere que comportamentos semelhantes poderão ter originado os primeiros episódios de talhe acidental em hominínios (Mora e de la Torre 2005; Carvalho et al. 2009).

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